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Movimentos regulatórios nos mercados de carbono e o potencial do Brasil

Stella Correa e Vitória Kramer

Nos últimos meses, a chuva torrencial de notícias sobre mercados de carbono no Brasil (e no mundo) se intensificou. A Conferência de Bonn, que aconteceu em junho deste ano, contribuiu ainda mais para o calor dos debates.

Dentre os principais pontos críticos, encontra-se a discussão sobre o artigo 61, em especial os itens 6.2 e 6.4, do Acordo de Paris, permanecendo, portanto, a imprevisibilidade no mercado regulado da UNFCCC (único mercado que o Brasil participa atualmente, além do voluntário). Entretanto, é muito provável que na COP28 já se tenha um desenho mais nítido acerca da regulação do mercado de carbono, já que uma solicitação foi feita ao presidente do SBSTA (Subsidiary Body for Scientific and Technological Advice) para a elaboração de um documento informal sobre o assunto.

Além disso, outro movimento internacional relevante foram as novas regras aprovadas em abril sobre o Objetivo 55, conjunto de propostas que visa alcançar os objetivos climáticos da UE (União Europeia), que têm o potencial de afetar a precificação de carbono no Brasil2.

Já no contexto nacional, no final de maio foi sancionada pelo Presidente da República a Lei Nº 14.590, que possibilita a comercialização de créditos de carbono em concessões florestais3, o que demonstra um passo importante para a NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) brasileira.

Ademais, no início de junho, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) abriu consulta pública sobre o Programa Carbono + Verde, com o objetivo de consolidar a validação da sociedade sobre o Programa e garantir a contribuição de diferentes atores sobre a proposta4. O período de consulta pública foi encerrado em 5 de agosto, e foram 296 contribuições recebidas no total5.

Ao mesmo tempo, no início de junho foram publicados cinco decretos climáticos: 11.546, 11.547, 11.548, 11.549 e 11.550. Ao abordar desde a criação de comitês temáticos e comissões interministeriais até o estabelecimento de novas diretrizes para o Fundo Nacional para Mudanças Climáticas (FNMC), esses decretos são de extrema relevância para a agenda climática brasileira, em especial no que diz respeito às sinalizações positivas para a NDC e para o mercado de créditos de carbono. Destacamos, em especial, dois decretos de maior relevância para este contexto: o decreto nº 11.547, que trata sobre o Comitê Técnico da Indústria de Baixo Carbono, e o decreto nº 11.548, que versa sobre a instituição da Comissão Nacional para REDD+.

Recentemente, em outubro de 2023, foi aprovado o PL 412/2022, que tem como objetivo regulamentar o mercado de carbono no Brasil por meio da criação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). O sistema funcionará com base no mecanismo de cap-and-trade, que busca fixar um limite à emissão de GEE e estabelecer cotas de emissões para as empresas que farão parte desse mercado. Esse sistema possui o diferencial de forçar uma redução na emissão de GEE, com um limite estabelecido de emissões por empresa e a previsão de obrigações específicas para aquelas que ultrapassarem o limite de suas cotas por meio da redução das emissões ou da compra suplementar de créditos que compõem as cotas de outras empresas6.

Nesse sentido, observa-se um importante movimento político por parte do Governo Federal e demais atores institucionais rumo à regulamentação de um mercado de carbono nacional, e, aparentemente, tudo indica que o foco está em projetos visando a recuperação e conservação de florestas, redução do desmatamento e manejo sustentável de áreas florestais. É evidente que, no que tange à priorização da agenda climática, maior atenção é dada para a região amazônica e seu potencial de armazenamento e remoção de carbono.

Vale ressaltar que a pauta da regulamentação de créditos de carbono está em grande parte relacionada à crescente tendência global e nacional de combate às mudanças climáticas e seus efeitos. Esse movimento traz uma nova visão sobre o potencial da economia verde, que representa maior potencial de geração de valor – econômico, social e ambiental – por meio da conservação florestal; em contraposição ao modelo econômico tradicional, voltado para a produção de commodities por meio da extração de recursos minerais e da agropecuária predatória7.

Nesse sentido, o Brasil teria potencial para suprir 28% da demanda global do mercado regulado de carbono e 48,7% da demanda de carbono do mercado voluntário até 2030, obtendo até US$120 bilhões em receitas, segundo um estudo da ICC Brasil conjuntamente com a WayCarbon.

Além disso, de acordo com a McKinsey, o Brasil destaca-se através da preservação e restauração florestal como o país com maior potencial e competitividade para captura (remoção) de carbono. Com a regulamentação do mercado de carbono seguindo nessa direção, é possível que, no médio a longo prazo, se observe a materialização desse potencial competitivo do Brasil no cenário internacional.

Entretanto, os passos ainda são árduos e longos para que o Brasil assuma uma posição mais firme e de protagonismo no mercado voluntário, no mercado regulado da UNFCCC e no mercado regulado nacional (ainda em gestação). Ou seja, ainda há muito o que ser feito para gerar mais credibilidade e segurança jurídica, além de, claro, levantar diferentes fontes de financiamento para possibilitar a alavancagem desse mercado na velocidade e escala que a situação atual exige8.

Pode-se observar, portanto, que não faltam iniciativas e possibilidades de crescimento para esse mercado no Brasil, entretanto, a questão primária é como alinhar todas essas iniciativas e alavancar o potencial da participação brasileira no mercado de carbono através de uma legislação sólida e um sistema confiável para não só viabilizar a geração de créditos de carbono, mas, principalmente, potencializar o alcance da NDC brasileira e, consequentemente, atuar de forma incisiva no combate às mudanças climáticas.


[1] Valor Econômico: O avanço dos mercados de carbono na Conferência de Bonn.

[2] Valor Econômico: CBAM: o ajuste de preço de carbono na UE e a descarbonização no Brasil.

[3] Valor Econômico: Lula sanciona lei que permite comercialização de créditos de carbono em concessões florestais

[4] Agência Brasil: Ministério lança consulta pública sobre programa Carbono + Verde.

[5] Governo Federal: Programa Nacional de Cadeias Agropecuárias Descarbonizadas (Programa Carbono + Verde).

[6] Valor Econômico: O novo texto do PL 412/2022 e a crescente expectativa sobre a regulamentação do mercado de carbono.

[7] Valor Investe: Credibilidade nos mercados voluntários de carbono.

[8] Capital Reset: Com quantos projetos de lei se faz um mercado regulado de carbono?

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