Felipe Vignoli e Vitória Kramer
Para zerar as emissões de gases de efeito estufa e atingir o net-zero até 2050, o Brasil precisará investir pelo menos 80 bilhões de dólares¹. Para mobilizar esse montante, a fim de impulsionar o desenvolvimento de novas cadeias de valor voltadas à economia verde e atender às novas necessidades da transição para uma economia de baixo carbono, é necessário orquestrar a combinação entre diversas estratégias de fomento.
Nesse sentido, instrumentos financeiros inovadores, como o blended finance, ao combinar criatividade financeira e sustentabilidade socioambiental, têm o potencial de abrir novas oportunidades para investimentos em projetos e tecnologias que reduzem as emissões de carbono e promovem a criação de cadeias de valor pautadas pelo equilíbrio entre economia e conservação dos recursos naturais. Instrumentos financeiros inovadores não apenas atraem capital para setores estratégicos para a economia, como energias renováveis, agricultura sustentável e saneamento, mas também têm o potencial de incentivar empresas e governos a adotar práticas mais responsáveis em termos sociais e ambientais.
Os títulos temáticos, instrumentos financeiros ligados a características socioambientais, por exemplo, são um dos mecanismos mais utilizados, seja por empresas ou por instituições financeiras e não financeiras (públicas ou privadas) para impulsionar projetos de baixo carbono. No entanto, o Brasil representa menos de 1% do volume transacionado internacionalmente².

Figura 1: Volume financeiro transacionado em títulos temáticos em todo o mundo, valores em bilhões de dólares. Fonte: CBI, 2022
Outro tipo de instrumento financeiro largamente utilizado são os investimentos de impacto. Sua principal característica é a busca intencional de adicionalidades sociais ou ambientais positivas como consequências da alocação dos recursos, ao mesmo tempo em que gera retornos financeiros e realiza a gestão de impacto de suas atividades.
De mesmo modo, os investimentos de impacto se demonstram subutilizados no Brasil. Do total de 1,1 trilhões de dólares de ativos sob gestão em investimentos de impacto em todo o mundo, menos de 1% é alocado na América Latina³.

Figura 2: Quantidade de organizações e ativos sob gestão em investimento de impacto em diversas regiões do mundo. Fonte: GIIN (2022)
Outro instrumento interessante para alavancar o potencial da economia brasileira em áreas estratégicas é o blended finance (ou financiamento misto), que une capital concessional (público ou filantrópico) com capital comercial, despontando como um instrumento financeiro que possibilita maiores oportunidades de inovação financeira. Esse tipo de estrutura tem o potencial de reduzir a percepção de risco de projetos de inovação dentro de um setor maduro, como, por exemplo, o hidrogênio verde no contexto das energias renováveis, ou para o crescimento de setores imaturos, como, por exemplo, a bioeconomia.

Figura 3: Desenho esquemático de estruturas de blended finance. Fonte: Convergence (2023)
Ainda que o blended finance seja uma solução inequívoca para ampliar a competitividade brasileira, percebe-se que há um longo caminho de crescimento no Brasil. Quase metade das estruturas de blended finance no mundo são destinadas aos países africanos; na América Latina, ficam apenas 17% das transações.

Figura 4: Proporção de transações com blended finance no mundo, dividido por região. Fonte: Convergence (2023).
No Brasil, temos o maior exemplo de uso de blended finance vindo de uma instituição pública. Em 2022, o BNDES lançou seu primeiro edital focado nesse tipo de estrutura: o BNDES Blended Finance. O desenho da estrutura, ponderado com diversos atores do ecossistema nacional no Laboratório de Inovação Financeira, permitiu que as propostas encaminhadas pela iniciativa privada representassem uma contrapartida financeira 5 vezes superior a cada real investido pelos recursos do banco público. Nesta iniciativa, o BNDES se comprometeu com 90 milhões de reais de capital concessional para os setores de bioeconomia florestal, economia circular e desenvolvimento urbano.
Do lado da iniciativa privada, vemos estruturas blended finance destinadas a pequenos produtores de cacau. Nesse caso, houve a emissão de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) Verdes (capital comercial) em união com o capital filantrópico (Fundo Vale e Good Energies Foundation representando o capital concessional). Unidos, estes ativos somaram R$17 milhões. Ainda no Brasil temos outros exemplos, como o Projeto SOMA (Sistema Organizado de Moradia Acessível), idealizado pelo Grupo Gaia, Din4mo e pela Incorporadora MagikJC, que levantou R$14 milhões para serem aplicados em habitações populares; e o pioneiro caso da Vivenda, que uniu atores numa captação de R$5 milhões entre capital comercial e filantrópico.
Para atingir as ambiciosas metas de net-zero e financiar as ações necessárias para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas, é preciso dispor de uma gama de recursos que só poderão ser mobilizados por meio de estratégias conjuntas de investimento, envolvendo tanto atores públicos quanto agentes privados. Nesse sentido, instrumentos financeiros inovadores – com especial atenção para o blended finance – são indispensáveis para promover as mudanças necessárias rumo à economia de baixo carbono no Brasil, possuindo o potencial de colocar o país na linha de frente da transição para um modelo econômico capaz de unir desenvolvimento econômico à geração de resultados socioambientais positivos.
[1] De acordo com o estudo “Net Zero Pathway Brazil”, da McKinsey.
[2] Em 2022 foram mais de 487 bilhões de dólares captados em operações de todo o mundo. A participação da América Latina para este total foi de apenas U$3 bilhões. Veja mais detalhes no site da Climate Bond Initiative.
[3] Segundo o relatório de tamanho de mercado elaborado pela GIIN em 2022 (dados de 2021).